domingo, 15 de março de 2015

Razão e Democracia

Fazia tempo que algum acontecimento tivesse sido capaz de provocar a efervescência suficiente para acionar o gatilho da vontade de escrever. Ideias que vão sendo maturadas, esculpidas e aglomeradas, quando de repente resolvem explodir na forma de um texto.

Hoje é dia 15 de março de 2015, exatamente 632 dias depois do dia 21 de junho de 2013, quando escrevi, neste mesmo espaço, sobre minha experiência de ter ido a uma manifestação. Hoje falo da confortável posição da minha "varanda gourmet", que é a minha escrivaninha. Por um lado fico feliz que várias pessoas tenham saído de suas varandas gourmet no dia de hoje para ir às ruas manifestar o direito básico de se manifestar num país democrático.

Mas, curiosamente, contra a democracia, em muitos aspectos.

Naquela ocasião, o movimento era dotado de uma heterogeneidade interessante que fez as pessoas irem às ruas com diversas (legítimas) pautas. Me lembro que a minha pauta era a não-violência, apesar de achar que várias outras pautas também mereciam atenção. Os protestos de hoje me parecem menos heterogêneos: a pauta é contra a corrupção (claro, alguém é a favor da corrupção além dos corruptos?), fora o PT, Dilma vai tomar no **, e a favor do impeachment, entre outras coisas. Ah sim, como não poderia deixar de lembrar: a favor da intervenção militar.

Será que essas pautas são realmente válidas? O exercício de tolerar a intolerância é sempre muito difícil. Mas presenciar isso me fez pensar sobre o que leva as pessoas a levantarem certas bandeiras.

Nesse contexto todo acabei me lembrando do livro “A Ideia de Justiça”, de Amartya Sen. Logo no capítulo I, Sen aborda a relação entre “razão” e “objetividade” citando Wittgenstein: I work quite diligently and wish that I were better and smarter. And these both are one and the same. O que o filósofo quis dizer com essa passagem? Segue a interpretação de Sen, que é por sinal bem interessante:

 Lack of smartness can certainly be one source of moral failing in good behaviour. (…) It is not particularly smart for a group of people to act in a way that ruins [the rules of good behaviour which can help everyone].

Nesse primeiro momento, a ideia é que uma das causas de problemas morais é a ausência do uso da razão, ou seja, a busca por ideais não escrutinizados pelo exercício da razão. Ainda:

[…] perhaps his [Wittgenstein’s] point was that being smarter helps us to think more clearly about our social concerns and responsibilities.

Em outras palavras, pensar sobre nossas ações nos ajuda a ter uma visão mais clara sobre as regras sociais que nos orientam, bem como nossas responsabilidades dentro desse arranjo social. Por fim:

The remedy for bad reasoning lies in better reasoning, and it is indeed the job of reasoned scrutiny to move from the former to the latter.

Muitas vezes na história da humanidade, as pessoas foram orientadas por “bad reasoning”, o que significa que o uso irrestrito da razão não garante um arranjo social que seja bom para todos (vide o histórico de ditaduras e etc). Por outro lado, “good reasoning” pode nos ajudar a chegar mais perto do que desejamos como sociedade, seguindo o caminho que nos distancia do estado de natureza.

Por que tudo isso? Pelo fato de estar presenciando, neste momento, um monte de pessoas que foram às ruas sem esse exercício da razão. Afinal, pedir pelo impeachment leva ao que exatamente? Pior, pedir pela intervenção militar não é uma pauta totalmente “unreasoned” num país que passou tão recentemente por um regime militar? Será que a manifestação por um país melhor precisa passar por cima de certas regras de convívio social conquistadas com tanto esforço?

É necessário mais reflexão, mais estudo mesmo. Mais exercício de “reasoning” antes de ir às ruas. Apesar de ser visível uma maior articulação da sociedade sobre a política, há ainda muito a se aprimorar na democracia brasileira, ao contrário de pedir pela não-democracia. O exercício da razão é necessário para viver um arranjo democrático, escrutinizar nossas razões se colocando no lugar dos outros e manifestar por direitos, contra as injustiças manifestas, mas tudo isso tendo passado pelo escrutínio da razão.

Quando vejo pessoas nas ruas levantando bandeiras como essas e ainda, pior, levando tudo aquilo como uma grande brincadeira, fico um pouco triste com os caminhos do país. A nossa democracia ainda possui uma certa fragilidade, em parte porque existe gente que realmente propaga ideais anti-democráticos, e em parte pela falta de exercício da razão (pública). Acho que é mais um sinal de que falhamos na base, na educação para a cidadania, no exercício, desde cedo, dos valores democráticos, e no estudo e no desenvolvimento intelectual da sociedade.

We need to be “better” and “smarter”.

domingo, 31 de agosto de 2014

Agradecimentos Dissertativos

Venho por meio deste tornar públicos meus agradecimentos da Dissertação de mestrado! (TÁ ACABANDO!)


A confecção deste trabalho é certamente o resultado de muitas conversas, discussões, insights e reflexões filosóficas que ocorreram durante o período de mestrado em Economia do Desenvolvimento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGE/UFRGS), a qual, enquanto instituição, merece um agradecimento especial por ter me fornecido o ambiente propício para o debate acadêmico.

Mas essa instituição é formada por pessoas, dentre as quais agradeço especialmente ao meu orientador, professor Flávio Comim, que, para além da admiração enquanto mestre, é para mim um exemplo de ser humano, com quem muito aprendi sobre a necessidade de pensar o enfrentamento dos problemas de forma prática e concreta, utilizando o conhecimento acadêmico como uma ferramenta transformadora.

Aos professores que aceitaram meu convite para participar da banca de avaliação, Prof. Sabino Porto Jr., grande exemplo de dedicação na academia e de interesse no desenvolvimento intelectual dos alunos; Prof. Eduardo Filippi, que muito contribuiu desde o início ainda na etapa de projeto; e Prof. Maurício Amazonas, um dos responsáveis pelo meu interesse na área ambiental desde o início da minha vida acadêmica. Agradeço também ao meu orientador de monografia, Prof. Daniel Caixeta, que mesmo distante forneceu dicas e sugestões importantes para o trabalho.

Não poderia deixar de agradecer à CAPES pela oportunidade do mestrado e a todo o corpo docente do programa de pós-graduação em Economia, responsável pela expansão dos meus horizontes de pensamento e por uma etapa crucial da minha formação que é coroada com este trabalho. Um agradecimento especial ao pessoal da secretaria do PPGE que sempre me auxiliou com total prestatividade e simpatia, e ao pessoal da biblioteca, pela disponibilidade em auxiliar nas questões de formatação.

Agradecimento especial aos meus colegas de mestrado em Desenvolvimento que, juntos, formamos uma “turma” de verdade, dentro e fora da universidade. Discussões sobre os temas mais variados eram corriqueiras nos corredores ou nas mesas de bar, configurando oportunidades únicas de confrontar pontos de vista tão diversos, mas todos orientados pela construção de soluções para o mundo.

Aos colegas de mestrado em Economia Aplicada que tenho o prazer de ter como amigos e que também muito contribuíram para meus insights em diversas conversas que tivemos. Um especial aos membros da república “Uai Sô Serious”, por termos vivido Porto Alegre juntos nos problemas acadêmicos e cotidianos, por terem me ensinado muito sobre tudo.

Àqueles que participaram dos grupos de discussão dos quais fiz parte, colegas de economia, direito, filosofia e outras áreas que se reuniam para debater questões de justiça, algo que parece extremamente abstrato e longe da realidade, mas que na verdade faz parte da vida cotidiana e foi responsável por me chamar a atenção para a distância que não deve existir entre ética e economia.

Aos colegas de trabalho na Fundação Getúlio Vargas, que fizeram parte de um novo momento da minha vida e que também contribuíram para meu amadurecimento acadêmico e profissional. Um especial à Letícia e à Bárbara por aguentarem ouvir meus questionamentos em período final de dissertação e por contribuírem com seus pontos de vista sobre o trabalho.

Ao meu grande amigo Lucas, parceiro de todos os momentos que para além de amigo de longa data, é meu parceiro intelectual, alguém com que compartilhei insights filosóficos durante todo o processo e que me devolvia com reflexões ainda mais maduras e revolucionárias, o que foi crucial para delinear meu pensamento. Além de tudo isso, me ajudou a fazer um abstract linguisticamente correto!

Por fim, mas não menos importante, aos meus familiares que sempre me colocaram num caminho correto e sempre me incentivaram a ser uma pessoa cada vez melhor. À minha mãezinha querida que se preocupa comigo 24h por dia, que me ensinou a importância da humildade e da simplicidade, ao meu querido pai que sempre me estimula seguir em frente sem perder o valor da honestidade, e ao meu irmão William, cujo conselho e suporte foram cruciais para a formação do que sou hoje.

Vou colocar a epígrafe também:


“You can choose a ready guide in some celestial voice
If you choose not to decide you still have made a choice
You can choose from phantom fears and kindness that can kill
I will choose a path that’s clear
I will choose Freewill”

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Postagem Sentimental ou "do bolor"




Este blog sempre é recheado de devaneios (pseudo) filosóficos e discussões meio acadêmicas meio de amenidades, tudo sempre numa esfera meio...racional. Inclusive quando escrevi sobre a Cultura Racional!

Hoje o teor é bem diferente.


Depois de ter acordado com alguns azares cotidianos e ter achado que hoje era aquele dia pra ficar em casa sem fazer nada porque a vida tava conspirando contra, acabei tendo um dia de trabalho interessante e um pouco cansativo, nada que destoasse muito da normalidade (à exceção do pneu furado da bicicleta). Depois disso, treino, cansaço físico, até meio além da conta... resolvi passar no supermercado e comprar uma...água sanitária! Acabei comprando água sanitária, suco de laranja, uma caixa de cerveja (receberei visitas no fim de semana...) e 2 pães de queijo. Comi um ali mesmo, tamanha a fome pós treino. O outro dei para um mendigo na rua, que havia inclusive perguntado antes se eu não poderia comprar algo pra ele comer.

Agora porque a água sanitária?


Estava decidido, mesmo apesar daquele dia todo, que ia chegar em casa e tirar todo o mofo impregnado no teto do quarto, depois de vários e vários dias úmidos nessa capital gaúcha que, por sinal, tem o tempo mais volátil do que os derivativos financeiros. Aquelas coisas que você nunca faz, mas um dia tem que fazer. Tirei todo o mofo com certa violência até. O resultado foi bem legal.

Mas talvez o maior bolor estivesse ali, nas lembranças.

A maior preocupação do Arnaldo Baptista em 1974 era se ele seria "esquecido" (pela Rita ou pelo mundo da música, ou pelos dois). "Será que eu vou virar bolor?" ele se perguntava. Realmente, o que a gente esquece, vira bolor. Foi o que aconteceu com uma pequena pastinha no canto da prateleira. Mofou toda. Tive uma crise de espirro quando fui pegá-la.

Limpei, tirei todo o mofo e abri. Deve ter sido a segunda ou terceira vez que abri essa pastinha (na minha vida). Ela continha lembranças, nada mais do que isso. Direto eu me pergunto porque eu guardo algumas coisas, mas quando me vejo nesses momentos eu entendo porquê. Parece um amontoado de tralha, lixo, coisa inútil mesmo, mas não é. Todos aqueles "souvernirs" ali me trouxeram imediatamente lembranças de um passado já meio distante, me fizeram rir. Me tiraram sorrisos verdadeiros da cara. Muitas diziam coisas como "você vai mostrar isso para os seus netos" ou "um dia você vai abrir essa carta de novo e lembrar desse tempo" entre outras coisas. Pois é.

Era uma pastinha com muito amor dentro, sem dúvida.

Lembranças são coisas meio cruéis. Ao mesmo tempo que elas são mágicas e nos fazem lembrar de tantas pessoas que marcaram nossas vidas (e que tiveram suas vidas marcadas por nós também, o que traz outra sensação muito boa), elas nos fazem questionar sobre o modo como levamos a vida, e se não deveríamos estar dando mais importância para as pessoas... a vida vai girando, levando a gente de um lugar para outro e as pessoas vão ficando, como um trem passando pelas estações. E às vezes dá um certo medo de estar, de certa forma, virando bolor também.

Mas acho que o saldo é positivo. Fiquei ali talvez uma hora vendo cada carta, cada bilhete, cada presente, cartão postal, foto... tirando todo o bolor das lembranças esquecidas e que voltaram todas à mente num piscar de olhos. Entendi mais uma vez perfeitamente para que servem as lembranças: essas coisas simples da vida que nos fazem muito bem. Me sinto estimulado e com um certo senso de "dever" de querer cultivar mais isso, instantaneamente. Mas contraditoriamente, sinto um pequeno receio disso virar bolor de novo.

Era Digital: faça o que você quiser, acho que um pedaço de papel com umas coisas escritas nunca vai ter seu valor substituído por nada.

domingo, 20 de julho de 2014

Keynes utilitarista?

Wow, quantas moscas e teias de aranha por aqui. Muito tempo sem postar, pouco tempo sobrando ou procrastinação demais, não sei, só sei que enquanto eu to escrevendo tem muita gente morrendo no Oriente Médio.

Postagem rápida a partir de um (não) insight também rápido. O objetivo é compartilhar, saber a opinião de vocês, discutir e eventualmente ver se procede o questionamento. Se proceder, legal, "tem que trabalhar isso aí", se não, bom, pelo menos tirei as teias de aranha.

Pessoal adora citar a seguinte passagem do "General Theory of Employment", clássico artigo do Keynes de 1937 em que ele deixa claro sua ideia de "incerteza fundamental" ou seja lá como queiram chamar. To falando disso:

"By “uncertain” knowledge, let me explain, I do not mean merely to distinguish what is known for certain from what is only probable. The game of roulette is not subject, in this sense, to uncertainty; nor is the prospect of a Victory bond being drawn. Or, again, the expectation of life is only slightly uncertain. Even the weather is only moderately uncertain. The sense in which I am using the term is that in which the prospect of a European war is uncertain, or the price of copper and the rate of interest twenty years hence, or the obsolescence of a new invention, or the position of private wealth-owners in the social system in 1970. About these matters there is no scientific basis on which to form any calculable probability whatever. We simply do not know"

Em geral as pessoas citam até aqui. Usualmente o objetivo é mostrar o que o Keynes entende por incerteza. E acho que ficou bem claro né? Não quero entrar na discussão sobre em que medida isso tá relacionado 1) com a ideia do Frank Knight (1921 - Risk, Uncertainty and Profit) e 2) com a epistemologia construída pelo próprio Keynes desde o seu tratado da probabilidade.

Raramente vejo as pessoas citarem o que vem logo depois dessa passagem! E por sinal, estava lendo um texto para a dissertação que citava (viu, eu estava sendo produtivo, pasmem!). Depois que definiu incerteza, o Keynes vai tentar definir o comportamento das pessoas diante dela. E vejam só:

"Nevertheless, the necessity for action and for decision compels us as practical men to do our best to overlook this awkward fact and to behave exactly as we should if we had behind us a good Benthamite calculation of a series of prospective advantages and disadvantages, each multiplied by its appropriate probability, waiting to be summed" (grifo nosso).

Ou seja, se eu entendi bem, na prática os indivíduos serão compelidos a agir "as if" eles soubessem as probabilidades das opções que se colocam, fazendo um cálculo BENTHAMITA de custos e benefícios que são agregados e tal. Interessante que o autor coloca uma dimensão "prática" para o cálculo utilitarista, mas ele parece supor exatamente que os seres humanos não vão utilizar outras heurísticas comportamentais usualmente utilizadas sob incerteza, do tipo daquelas levantadas posteriormente por Daniel Kahneman e Amos Tversky.

Não posso ser injusto com o Keynes, ele descreve todo um argumento subsequente mostrando que a retenção de moeda surge como um comportamento convencional parte intuitivo e parte racional que emerge da incerteza. Mas há algo que ressalta aos olhos, que é o fato de que o Keynes antecipa na sua teoria um argumento hoje clássico da chamada "teoria da maximização da utilidade esperada" que responde à incerteza com "probabilidades subjetivas" e "cálculo bayesiano".

Ele parece sugerir que o cálculo benthamita é uma prescrição "normativa" com a palavra "should" ali. Como se ele tivesse dizendo > incerteza existe, não dá pra fazer cálculo racional com probabilidades objetivas, mas a gente calcula mesmo assim, "as if".

Sendo assim, fica a pergunta: seria Keynes um utilitarista? não não, odeio esse tipo de pergunta retórica. O correto seria: em que medida Keynes possuía ideias derivadas do utilitarismo predominante na economia?

Fica pra reflexão, alguns diriam.

Termino com uma citação do próprio autor!

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Fevereiro de 2008 - Nietzsche e os Ressentidos



Num momento de grande nostalgia, de volta a minha cidade natal e ao apartamento onde vivi de 1996 até 2008, muitas memórias vem à tona, e até o desejo de mexer em coisas há muito tempo esquecidas em algum canto da mente... e do computador.

Acabei encontrando um texto que escrevi em fevereiro de 2008, supostamente uma postagem em um blog que eu junto com dois amigos criávamos na época, mas que acabou nunca andando. Talvez ali estava o germe do "espaço para ideias espaçosas". O texto trata de uma reflexão sobre o ressentimento na sociedade contemporânea, e ele me revelou coisas sobre o que eu penso hoje de uma forma impressionante.

O mais interessante foi ver que essas reflexões foram realizadas por um Wagner que sequer tinha estudado Economia a fundo (tinha feito apenas 1 ano de curso), mas que já demonstrava interesse por temas tão caros a essa ciência, em especial no que tange suas abordagens críticas. Isso sem contar o interesse pela psicologia, que se impõe pelo próprio tema discutido. A dupla via entre indivíduos e sociedade e a complexidade dessas relações já eram objeto de instigação em plenos 18 anos de vida.

Já tinha uma preocupação com a questão da educação e já via uma questão ética contraditória no capitalismo. Existe um código ético/legal que emerge do modo de produção capitalista, no entanto o próprio sistema impele a comportamentos “anti-éticos”? A relação entre ética e capitalismo é também contraditória... deixei essa parte em evidência em negrito no texto.

Enfim, reproduzo o texto na íntegra. Obviamente que se eu fosse escrever sobre o assunto hoje, o texto seria totalmente diferente, sem no entanto perder a essência de muitos desses insights. Geralmente quando eu leio um texto escrito por mim a muito tempo atrás eu tenho vontade de jogá-lo no lixo. Esse foi diferente. Esse eu tive vontade de postar no blog.

***

"Nietzsche e os Ressentidos - Fev/2008"

O mundo de hoje passa por várias modificações e processos que sempre viabilizam a rapidez, a tecnologia e o capital. Nesse mundo não há espaço para todos, ou seja, há vários que são excluídos do modo como a sociedade evolui, mas sempre a globalização torna a envolver tudo numa perspectiva pragmática da evolução das técnicas de produção e das relações sociais. Como em qualquer outra sociedade, o capitalismo gera diferentes estereótipos humanos, sejam os consumistas, os roqueiros, as patricinhas, os “emocore”, enfim, aquela coisa que todos nós vemos e revemos todos os dias. Nessa discussão pretendo focalizar um desses estereótipos criados pela nossa sociedade...”Os Ressentidos”.

Primeiramente, o que são os ressentidos?

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Recorro a Nietzsche para me ajudar nessa definição. Ressentido é aquele indivíduo que, por não conseguir exteriorizar um sentimento por alguém ou em relação a alguma situação qualquer, tem o sentimento retornado para si mesmo (por isso Ressentimento, o “RE” traz a semântica de “retorno”). Esse retorno só pode dar-se de forma negativa, pois, ao retornar, o indivíduo começa a se fantasiar, a ruminar antigos pensamentos e idealizar, o que o afasta da sua realidade e do mundo que o cerca.
 
Ainda recorrendo a Nietzsche, que se autodenomina 'O Psicólogo' por investigar principalmente a alma humana, observamos que o ressentido também sente aquilo que qualquer humano pode sentir: a inveja, o ódio, a raiva, a cobiça, porem prefere não exteriorizar esses sentimentos e acaba por planejar aquilo que Nietzsche chama de 'vingança adiada', que é uma vingança que o indivíduo trama contra a situação que o atordoa, porem nunca a executa, vivendo numa eterna fuga a fantasia. 

Agora, complementando Nietzsche, o ressentido também é aquele que, por ter vivido enclausurado pela guarda dos pais enquanto criança, não conheceu os desafios do mundo, e sempre foi bem amado e exige do mundo o mesmo. A isso denominamos 'covardia moral'. Termino aqui minha paráfrase acerca dos conhecimentos de Nietzsche, agora parto para uma relação mais profunda.


Tendo definido e analisado o ressentido, agora pensamos: qual a relação desta psicologia e a nossa sociedade capitalista mencionada no início deste texto?

É um raciocínio simples. Veja como o ressentido não está pronto para os desafios que o mundo oferece. Se na época de Nietzsche isso já era muito próprio, imaginemos na nossa sociedade, que jamais pediu tanto de nós humanos para sermos máquinas de trabalho e geração de capital e consumo (não que naquela época as coisas eram mais fáceis, mas hoje elas acontecem de modo mais apressado). Aquele que, por ter vivido sempre na cúpula do amor familiar e agora é covarde para enfrentar este mundo se torna ressentido. 

Voltemos à definição: o ressentido é aquele que não consegue exteriorizar os sentimentos e por isso, volta pra si mesmo. Se, vivendo sob uma superproteção familiar, o indivíduo não desenvolveu a coragem, também não pode ter desenvolvido completa sociabilidade, e, portanto, não sabe como exteriorizar seus sentimentos em relação à dura realidade do mundo atual, e, então, volta o sentimento pra si mesmo, de forma negativa e começa a se isolar do mundo. Como Lord Byron diria, temos mais uma vez os ultra-românticos, envolvidos pelo tédio existencial. 

A nossa sociedade capitalista se torna cada vez mais característica pela presença de ressentidos. Aumenta a procura por livros de auto-ajuda e por antidepressivos, o que, com certeza, não cura uma má formação familiar (até porque atualmente, no Brasil principalmente, a educação não tem o valor que deveria ter). O ressentido não tem coragem para enfrentar o que o mundo assegura para sua vida, não tem vontade de seguir em frente, vive um eterno mundo interior idealizado, é derrotado pelos desafios sociais.

A solução para isso?

Talvez os filhos não devessem ser criados com exacerbado amor e abrigo e serem formados para o mundo que os espera. Infelizmente, o mundo capitalista exige de nós algumas coisas que, se não as fizermos, nos tornamos ressentidos fracassados.


Agora, concluindo essa discussão. 

A sociedade cria certos valores para serem seguidos, algo exterior aos indivíduos, mas não podemos negar que a sociedade também adquire diferentes paradigmas de acordo com as vontades dos indivíduos. A sociedade capitalista exige trabalho e dedicação profissional máxima (ou em alguns casos, falta de honestidade!) mas também cria máscaras para os problemas criados dentro dela mesma. Os ressentidos surgem a partir de um valor social que não foi seguido como a sociedade previa (isso não significa revolta, me refiro à preguiça intelectual) e ganham máscaras sociais, ou remédios que não fazem efeito social, os livros de auto ajuda e os remédios antidepressivos estão aí. 

"O ressentido é o escravo que não consegue impor sua vontade". (Friedrich Nietzsche 1844-1900) 

Agora fica com vocês meus amigos, analisarem e serem convictos a partir dessa discussão sobre os ressentidos. 

E deixo uma vinheta: 
Ditados populares às vezes devem ser lidos mais de uma vez: 
*É melhor prevenir do que remediar*

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Mudança Climática é... Veblen!


Para quem teve o prazer de fazer alguma disciplina com o Prof. Octávio Conceição (UFRGS), provavelmente não sentiu falta de familiaridade com o título. Para os que não tiveram esse prazer, não se preocupem, o resto da postagem não exige esse pré-requisito.

No entanto trata essencialmente da capacidade que esse professor tem de provocar brainstorms e insights interessantes nos alunos. E mais, da capacidade que a abordagem institucionalista por ele advogada tem de fornecer um arcabouço interessante para entender os mais diversos problemas da sociabilidade humana. Suas aplicações possuem um horizonte de perder de vista.

Eu me vejo interpretando as coisas com esse background o tempo todo! E essa postagem vai servir, para além de publicar um desses insights que tive, como uma homenagem à essa figura lendária da Economia da UFRGS. Atento para o fato de que se trata de uma maneira pouco rigorosa de usar a abordagem institucionalista para jogar luz num problema, pois é assim que escrevo no blog. Se fosse pra ser rigoroso eu teria feito um artigo científico...bom, até que não é má ideia!

...

Essa postagem também poderia se chamar "O problema da Autoridade Internacional e a Soberania dos Países: uma perspectiva institucionalista diante da Mudança Climática". Mas além de muito grande, é muito acadêmico. Mas bom, acho que cumpriu a função de introduzir o tema.

Existe evidência que os indivíduos vivendo em uma sociedade criam instituições para regular suas interações. A perspectiva mais ampla dessa ideia, voltando aos primórdios do pensamento do Thorstein Veblen, advoga que instituição pode abarcar desde regras formais, organizações burocráticas até hábitos de pensamento compartilhados por um grupo de pessoas, a linguagem, normas implícitas, informais, padrões de comportamento, etc... Trata-se de qualquer aparato socialmente gerado pela interação dos indivíduos (que "emerge" dessa interação) e que volta a exercer uma influência nessa interação, seja limitando, restringindo a ação individual, mas ao mesmo tempo expandindo e possibilitando que certas ações possam acontecer.

Thorstein Veblen não era conhecido pela elegância

A linguagem pode ser um exemplo bem didático de entender isso. Os seres humanos a criam como um meio para se comunicar. Afinal, como iriam se comunicar se não criassem a linguagem? (linguagem é mais amplo que língua, vale ressaltar - meu amigo linguista oficial pode me corrigir se eu estiver errado!). Esse mecanismo criado exerce uma influência "expandindo" sua ação: agora ele pode se comunicar com os outros e ser entendido! No entanto ela ao mesmo exerce uma influência limitante: um determinado código só pode ser entendido por um grupo limitado de pessoas. Exemplo básico: se você fala português, você só pode exercer a ação de se comunicar em português com pessoas que também conhecem esse código. A limitação é necessária para a expansão, elas andam juntas.

Acho que posso induzir que os seres humanos animais racionais e sociais não podem viver sem criar instituições. É algo inerente do seu caráter de viver socialmente. Pra usar uma célebre frase do nosso professor supracitado "junta dois indivíduos e você já tem uma instituição!". A grande questão surge: porque criamos instituições? Me parece que elas surgem do fato de surgirem "problemas sociais" para resolver. Pra continuar no exemplo da linguagem...surge o problema da comunicação com o outro, a instituição surge pra resolver esse problema. Logo, a interação dos indivíduos gera constantemente problemas para resolver e, como resultado, instituições.

Passei muito rápido e foquei num ponto específico do pensamento institucionalista, mas a ideia era...só trazer a ideia! Ainda teria muito mais coisa pra comentar sobre isso. Mas, prossigo!

Com um pouco de medo de estar colocando "Uberlândia dentro de Araguari" ou "Porto Alegre dentro de Canoas", eu me arrisco a dizer que dá pra usar este framework de análise pra jogar uma luz no processo pelo qual os indivíduos criaram autoridades centrais, organizações poderosas e fortes que congregam e legitimam demais instituições, essencialmente, os Estados como conhecemos hoje. Alguns autores clássicos da Filosofia Política formularam teorias nesse sentido (poderíamos nos referir aos contratualistas, por exemplo). Eu diria que é uma forma de teorizar sobre o Estado como uma instituição, assim como a Ética, o código de Leis, etc...

Meu objetivo não é formular uma teoria que exija um pressuposto forte sobre a natureza humana (como o faz Hobbes, por exemplo), mas tampouco usar a evidência que temos da observação filosófica de que os seres humanos desenvolvem mecanismos de autoridade. Isso parece uma constante na vida humana em sociedade. Os psicólogos sociais tratam isso como um traço essencialmente humano e estudam formas de entender como isso acontece. A pergunta mais difícil seria porque isso acontece. Vou confessar com certo derrotismo que não é essa pergunta que procuro responder, pois me parece quase óbvio dizer que quase toda forma de sociabilidade humana gerou alguma figura central de autoridade (que assume diversas formas, sendo o Leviatã hobbesiano apenas uma dessas formas possíveis).

Sequência lógica do argumento: problemas sociais surgem da interação dos indivíduos > indivíduos criam instituições > instituições regulam a ação dos indivíduos. Ressalto: essas instituições não necessariamente resultarão em "arranjos eficientes", afinal existe muita incerteza quanto aos seus resultados e nada está dado a priori. Tudo depende de como se dará a adequação dessas instituições...o que acontece num processo muito semelhante à evolução biológica: com seleção, variação e adaptação (esse insight não é meu, é do Veblen e muito desenvolvido por Geoffrey Hodgson).

Hora do pulo radical.

No lugar do problema social, colocarei a Mudança Climática e no lugar dos indivíduos colocarei os países. NONSENSE! Que coisa bizarra que você fez! Sim, é por isso que estou escrevendo no blog.

Estudando um pouco sobre regulações ambientais em nível internacional, convenções, etc.. percebi que está acontecendo um processo institucional típico para com essa questão. As evidências "cada vez mais evidentes" da Mudança Climática constituem um problema social daqueles (não vou abrir esse tópico, gastaria muito mais texto do que já tem). Grande, incerto e global. Bem mais difícil de resolver do que "quem vai levar o filho na escola hoje" ou mesmo do que "qual será a taxa de juros", por envolver não 2, nem 190 milhões, mas 7 bilhões de pessoas (e mais alguns bilhões que não nasceram).


Diante do problema, o que os indivíduos fizeram? Sim, criaram instituições. Ou pelo menos tentaram...passa ano e mais ano, convenções são realizadas sobre o tema, tentativas de acordo falham, países se comprometem, outros não, protocolo de Montreal dá certo e protocolo de Kyoto não, enfim... O processo evolucionário das instituições está acontecendo para todos verem!

A questão é que os debates que geram essas instituições acontece entre partes que são, na verdade, representantes de países inteiros, cada um com a sua soberania. Soberania é o direito de autodeterminação e autoridade sobre o próprio território que os países possuem. Como cada país é soberano, não existe possibilidade de obrigar ninguém a fazer alguma coisa em uma esfera "supranacional". Por isso os Estados Unidos simplesmente não assinaram o protocolo de Kyoto. Logo, digamos, as instituições são meio "capengas", porque não servem de fato para resolver o problema. Mas não é nada fácil chegar a um acordo! Poxa, se um acordo entre duas pessoas já é difícil, imagina entre vários países inteiros? É, mas isso é necessário.

Observei mais cedo que as sociedades humanas desenvolvem algum tipo de autoridade central. Me parece que estamos aos poucos encaminhando para isso mais uma vez. Talvez desenvolver uma autoridade acima da soberania de cada país seja necessário para criar acordos formais para além de regras informais, mecanismos que possibilitem adaptação e adequação à regras. E sim, um mecanismo de enforcement e punições quando necessário. É o preço que se paga para se ter um determinado benefício (no caso, combater a Mudança Climática e preservar a sobrevivência humana mais um tempo no planeta). Os acordos que temos são fracos, não possuem legitimidade porque não existe uma instituição capaz de referendar isso. Quando se lê algum documento da UNFCCC dá pra perceber que não existe nem regra de decisão para votações: só acontece alguma coisa quando há consenso geral. Assim, só precisa de uma opinião contrária para haver veto. Nessas condições, não há como o processo institucional andar na velocidade compatível à do problema da Mudança Climática.

Eu sei que tenho que tomar muito cuidado pra falar essas coisas. Daqui a pouco vem gente me acusar de estar advogando por uma "ditadura da ONU" ou "mecanismo de legitimar a influência dos EUA nos países", etc... Com certeza a maior limitação desse problema é o fato de que as "partes" dos acordos são completamente heterogêneas e possuem influência e poder completamente díspares. E o resultado disso poderia ser bizarro (Veblen já chamava atenção para a possibilidade de imbecile institutions).

No entanto, o objetivo da postagem é chamar a atenção para algo observável... se é historicamente verificável que criamos instituições que exercem autoridade para resolver questões sociais, não seria a Mudança Climática um desafio para se fazer isso em nível global? A grande questão seria como criar um mecanismo institucional que exerça autoridade internacional mas que não seja capturado pelos interesses de alguma parte? (esse é um perigo que envolve qualquer instituição e de fato acontece em certos Estados Nacionais).

Um caminho possível é o caminho que a gente já conhece. Não dá pra receber algo sem dar algo em troca...abrimos mão de certas "liberdades" para garantir outras "liberdades". É muito díficil mexer em coisas tão "imexíveis" como é o caso da Soberania Nacional, mas talvez seja necessário limitá-la para que certas ações possam acontecer. Existe um debate dentro do Direito Internacional e mesmo da Filosofia Política sobre a necessidade de um Estado Mundial contra algo como uma "Comunidade Internacional". Sem entrar muito nesse debate, a ideia é sinalizar que alguma autoridade precisa existir. Muito cuidado novamente, não se trata de "autoritarismo", mas de haver algum mecanismo institucional que garanta o cumprimento de um acordo.

Talvez eu esteja traçando um cenário ideal, mas acho que o processo institucional envolve mecanismos de aprendizado. As muitas tentativas (fracassadas) de acordos sobre Mudança Climática revelam um processo de aprendizagem. E parece possível observar uma trajetória rumo à criação de alguma autoridade internacional, mesmo que os interesses nacionais ainda falem muito alto nessas discussões. A Mudança Climática exige que pensemos o ser humano como uma espécie só, apesar das diferenças. Exige uma resposta global e não de alguma nação específica.

Por fim, apenas uma observação. Instituições têm uma função primordial: servir de guia para atuação diante da Incerteza. Se eu não sei se você vai me matar e se você não sabe se eu vou te matar, talvez o melhor é estabelecer uma regra em que não podemos matar, assim a gente pode viver. Se eu não sei até que ponto posso poluir e você também não, talvez o mais adequado seja criar um mecanismo que evite que se polua, até porque ainda não sabemos direito que consequências isso pode ter. Assim concluo dizendo: Mudança Climática é, essencialmente, um problema social e institucional.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Unanimemente vago, vagamente unânime: os economistas e as coisas que eles não explicam e não querem explicar

Escrevo sem me basear em nenhuma evidência empírica e sem nenhum rigor científico. O que escrevo beira a escrita ensaística por um lado e o mero devaneio por outro. Mas não é nada abstrato, é pelo contrário bastante concreto e vivido diariamente. Uma construção que emerge da observação acumulada dos dias, a erupção de um vulcão que vinha juntando magma a algum tempo, cujas cinzas ainda estão sendo jorradas no ar.

Às vezes os economistas me deixam triste. Eu não diria decepcionado, mesmo porque a gente se decepciona quando a gente espera de alguma coisa mais do que aquilo que ela de fato oferece. Eu, pelo contrário, acho que nunca esperei demais da Economia como Ciência, pois sempre fui (e ainda sou) entusiasta do encontro dessa com outras disciplinas. A tristeza mesmo se refere à insistência do debate em apertar as mesmas teclas de sempre, seja de um lado ou de outro do rio; à constante tentativa de deslegitimar ideologicamente outrem e de deixar de lado determinada informação relevante; à mania de reverter as informações aos seus anseios; à constante, aparentemente corriqueira, incessante inversão de meios e fins da atividade econômica no discurso.

É triste porque eu vejo esse tipo de coisa acontecer em todo momento, em todo lugar. Sempre me esbarro eu alguém fazendo isso. E sempre me pergunto se sou eu que estou no lugar errado ou se essa ciência sofre de algumas deficiências sérias.

Boa parte das complicações são resolvidas pelo fato de se tratar de uma ciência que lida com o político, com os interesses de cada um dentro do arranjo social e que algumas coisas são decorrência natural desse fato. Mas às vezes me pergunto se ainda dá pra chamar isso de ciência. Intuitivamente algumas coisas me soam muito anti-científicas. Digo intuitivamente porque pra ser rigoroso eu precisaria primeiro definir o que é ciência e depois dizer se isso é ou não usando determinados critérios. Eu não estou trabalhando com tal nível de rigor, estou apenas tendo uma intuição de que alguns discursos são baseados muito mais em interesses e ideologia do que propriamente em uma construção cientifica capaz de explicar a realidade.

A economia ajuda a explicar a realidade? Sim, mas também atrapalha às vezes. Atrapalha quando se coloca um véu ideológico pra tentar explicar a realidade, subvertendo-a ao prazer das vicissitudes da ideologia. A troco de que? Eu fico imaginando se um economista tem algum tipo de prazer etéreo quando acerta alguma previsão ou quando vê algum fato comprovando que sua "teoria" está certa. Porque essa obsessão por dizer que sua teoria é melhor que a outra? O que nos humanos provoca esse tipo de busca incessante? E porque muitos são tão inflexíveis e incapazes de reconhecer sua própria incapacidade?

Os economistas são mais pretensiosos do que muitos outros cientistas quando sua própria dita "Ciência" é muito menos acurada do que as naturais, por exemplo, pelo simples fato dos fenômenos naturais não incorrerem em problemas políticos/ideológicos. O ciclo da água funciona de um jeito e pronto. Você pode até provar que funciona de outro jeito e ponto, mas se isso acontecer, a outra teoria cai por terra. e pronto! A economia não funciona assim e nunca vai funcionar assim, essa é uma de suas particularidades. Então é uma área em que os cientistas deveriam ser bem menos pretensiosos, mas não parece ser bem isso que acontece.

Pretendo fugir do famigerado contraste entre "teoria convencional" e "abordagens heterodoxas" aqui, porque vejo tais questões, como disse, tem todo lugar, em todo momento. Mas algo que vale ressaltar é que mesmo esse debate é um debate essencialmente político. É uma disputa de poder, antes de mais nada. Fico me perguntando e imaginando o que aconteceria se as teorias alternativas se tornassem mainstream e vice-versa.

Todas falham ao ver o homem como meio. Como uma ciência humana (será que é mesmo?) coloca o homem como meio? Claro que qualquer um vai dizer que isso é uma falácia, mas fazem isso o tempo todo sem nem se darem conta.

Acho que todo economista deveria se fazer um exercício socrático, uma sequência de perguntas que não chegam em uma resposta final, mas constroem algo na cabeça do indivíduo, de modo a perceber a circularidade de alguns raciocínios e à fuga ao entendimento dos objetivos primordiais da atividade econômica.

"Os dilemas da Economia Brasileira"...deeeesde a década de 1980, o Brasil nunca teve altas taxas de crescimento quanto mais de forma sustentada... olha a China, que beleza, o Brasil nem chega perto do que acontece lá! O que fazer? geralmente essa pergunta é respondida olhando para os determinantes do crescimento. Alguns vão dizer: precisa ter indústria! Outros: precisa especializar naquilo que se tem vocação! Ainda: precisa tirar o Estado e deixar o mercado regular a estrutura de preços relativos. Ademais: precisa ter planejamento e investimento de longo prazo, etc etc etc... até coisas do tipo: "precisa investir em educação" e "precisa diminuir a desigualdade de renda".

Peraí.

Qual o fim de tudo isso? Fazer a economia crescer? Tá, mas pra que fazer a economia crescer? Pra ter mais emprego e renda? Pra que ter mais emprego e renda? Pra ter mais bem-estar? Mais bem-estar...tá, pra quem? Pra todo mundo? O ideal é que seja, supondo que seja, pra que mais bem-estar? Pra satisfazer os anseios e desejos dos indivíduos... é inevitável que o fim esteja no próprio homem. Enquanto isso a "Ciência" Econômica só discute os "determinantes do crescimento". O fim da atividade econômica e da própria ciência é o crescimento.

E não quero cair no debate famigerado entre a diferença entre crescimento e desenvolvimento porque mesmo quem advoga pelo desenvolvimento acaba caindo na mesma falácia da desvirtuação de meios e fins. Dizer que o mero crescimento sem "mudança da estrutura produtiva" ou "efeitos de encadeamento" ou que seja "desenvolvimento de tecnologia internamente" não é desenvolvimento implica propriamente dizer que o fim do desenvolvimento acaba sendo também uma questão meramente "macroeconômica". E mesmo quem fala de educação (vulgo capital humano) ou de políticas sociais, etc tenta mostrar como isso tem um impacto positivo pro desempenho dessa coisa chamada "Economia".

"ah, é importante pensar em educação, em democracia, liberdade, sustentabilidade ambiental. Tudo isso é muito bonito e ninguém discorda disso, mas nada disso acontece sem garantir uma base material, sem ter indústria, sem ter desenvolvimento das forças produtivas"...

[É muito bonito, mas não é tarefa de economista. Porque o objeto de estudo do economista é a Economia e não o homem. Mas peraí, tem alguma coisa bem errada aí, tô quase entrando em parafuso com isso. Porque existe uma área chamada "Desenvolvimento Humano"? o desenvolvimento não deveria ser, per se, humano? Se existe uma área especifica que estuda isso, as outras não estudam algo "humano". Parece estúpido, mas é isso mesmo, o que as outras áreas da Economia (a grande maioria dos economistas) estudam não é o homem, é uma coisa que parece externa e superior a ele.]

... É exatamente pela negligência desses assuntos, por serem "bonitos" e "unânimes", que essas questões continuam sem ser resolvidas. São exatamente as questões "que não são tarefa de economista" que continuam patinando. São exatamente os fins que estão parados enquanto muito se fala dos meios.

Economistas não param pra pensar nos verdadeiros fins da atividade econômica. Pensar educação, saúde, meio ambiente, política social, nesta Ciência, sempre implica em pensá-los na forma de meios. A importância intrínseca dessas coisas é deixada para outros que falam de coisas "bonitas". Pelo visto os economistas preferem falar de coisas "feias" (o contrário de "bonitas"), sem substância moral mas que carregam toda a importância do debate.

Tudo que é unanimemente aceito acaba por se tornar vago e não sai do lugar. Sou um militante das causas unânimes, ("bonitas", para os economistas), porque são elas que abarcam os fins. Mas pra sair do lugar tem que mostrar que se é importante no discurso também tem que ser importante na prática, o que implica em sair da vaguidão das discussões e construir avanços palpáveis, capazes de (com ou sem crescimento) fomentar os fins da existência humana, revelando o que é possível fazer paralelamente aos "determinantes do crescimento".

Não sou o único deste lado. vide "Prosperity without Growth, Tim Jackson", entre outras obras.
e Vide o círculo da matemática no Brasil.

(reler o primeiro parágrafo).